top of page
Buscar
  • Foto do escritorCristiana Pina

O rosto por detrás de uma caixa de supermercado

Atualizado: 2 de jun. de 2020


Jéssica trabalhou três anos numa superfície alimentar, e vivenciou de perto caos vivido durante a pandemia da Covid-19
Jéssica, uma ex-colaboradora de um supermercado


Jéssica Pinheiro é licenciada em Comunicação Social, mas nunca chegou a exercer. Entrou neste curso por influência da mãe, mas foi no estágio, ainda durante o período da licenciatura que se apercebeu que aquela profissão “não era a sua praia”. Quando entrou no mercado de trabalho decidiu arregaçar as mangas e procurar uma coisa totalmente diferente daquilo que estudou. Lojas de roupa, reposição de produtos e caixa de supermercado são algumas das experiências que já viveu. “Já trabalhei em lojas de roupa, e depois pus um currículo num supermercado, entrei e trabalhei lá três anos”, revelou.


Fez parte do grupo de pessoas que não pode parar de trabalhar durante a pandemia, mas ao contrário da maioria, Jéssica admite que não teve medo de ir trabalhar e que não foi complicado a adaptação a esta nova realidade. “Depende de pessoa, para pessoa. Para mim não foi”, acrescenta. A falta de material, existente no início, exigiu que todos os funcionários se adaptassem e trabalhassem com o material que tinham. “No início nós não tínhamos máscaras e tivemos que arranjar uns lencinhos para tapar a boca e o nariz”, e só com o avançar da pandemia é que “receberam máscaras e viseiras”. Jéssica lembra essa altura complicada, uma vez que o uso diário de máscaras e de produtos de proteção são desconfortáveis, sobretudo quando é obrigatório usá-las tanto tempo seguido.


“Era algo que provocava muita aflição [o uso de máscara e viseira] sobretudo quando íamos para a reposição, chegávamos ao fim do dia todas marcadas”, relembra.


No supermercado ocupava um dos lugares da “frente de combate”, era operadora de caixa. Um lugar onde tinha bastante exposição já que estava a lidar com o cliente de forma direta. Para Jéssica, uma das maiores dificuldades foi quebrar a rotina e os hábitos, e deixar de manter uma relação de proximidade com os clientes. “Nós estávamos tão habituados a uma rotina, cumprimentávamos o cliente, clientes que muitas vezes já conhecemos à muitos anos e com quem nos dávamos bem.” E de repente, de um momento para outro, essa realidade muda e foi obrigada a conviver de outra forma. “É muito estranho”, lamenta


Após ter sido decretado Estado de Emergência, a população deslocou-se em massa às superfícies alimentares para se abastecer. O pânico e o medo exagerado do desconhecido levaram as pessoas a realizar compras de forma exagerada. “Havia dias que era horrível porque as pessoas chegavam a levar dez embalagens de leite”, iogurtes, carne e papel higiénico eram outros dos produtos que esgotavam num instante. “Quando começámos a estabelecer limites [de compras], as pessoas começaram a compreender melhor”, confessa. Contudo, a ex-colaboradora também percebe o lado cliente e o medo que toda esta situação gerou.


“Se tu tens que ficar em casa de quarentena ou em teletrabalho e não quiseres sair por medo da pandemia da Covid-19, é normal que tenhas de fazer muitas mais compras”, remata.


A consciencialização das pessoas surgiu com o tempo, “havia pessoas que faziam compras para mês”, porém foram os idosos e as famílias mais carenciadas que sofreram com a açambarcamento de compras. A jovem contou também que ficava triste quando via “tudo vazio, e ao mesmo tempo se apercebia que as pessoas que não tinham tantas possibilidades [financeiras] iam às comprar e já não tinham” os produtos que precisavam. A pandemia obrigou a um ajuste de horários e de rotinas entre todos os funcionários.


“Os horários foram totalmente mudados, nós fechávamos sempre à hora de almoço [antes isso não acontecia] porque não queríamos comprometer nenhuma funcionária, porque quando alguém tinha de ir almoçar, havia outra pessoa que ficar no nosso lugar”, afirma.


Quando chegavam a casa “tiravam a roupa toda e desinfetavam as mãos”. No local de trabalho iam “lavar as mãos com sabão de dez em dez minutos” e tinham “sempre álcool desinfetante” por perto. Ao longo de todo supermercado foram colocados “cartazes com informações”, ao mesmo tempo que iam aconselhando os clientes “para ir só uma pessoa da família às compras, para usarem máscara e para não demorarem muito tempo a realizar compras”. Conselhos práticos e simples que ajudavam o hipermercado a funcionar melhor.

Jéssica recorda a dificuldade em adaptar-se às novas rotinas de higienização e de afastamento do público


Apesar de já não estar a colaborar no supermercado nesta altura, Jéssica relata o pânico vivido pelas colegas, depois de uma pessoa infetada ter entrado na superfície alimentar.

“Houve uma pessoa que estava infetada que entrou, houve uma colega que soube e ligou para a GNR, foi muito complicado porque a senhora mexeu na fruta, já tinha estado no talho, foi um pandemónio” relata. Acrescentado “sei que houve cinco colegas que não aguentaram e tiveram de ir para o armazém porque estavam a ter ataques de ansiedade”, pormenoriza.


As pessoas que trabalham nos supermercados ainda são desvalorizadas pela maior parte da população. Jéssica relata que não consegue compreender o motivo, e afirma que todas as profissões são importantes. “Eu quando entrei para o supermercado, principalmente no setor das caixas, reparei que me olhavam de lado”. Jéssica não compreendia esta indiferença “já que este era um emprego como outro". A jovem espera que com a pandemia estas opiniões mudem e que a população “respeite este trabalho e o compreenda”, acalenta.


O concelho de Pinhel, com 32 casos, foi um dos mais afetados pela pandemia, no distrito da Guarda. Para Jéssica, a “hipocrisia” daqueles que vieram de fora como os emigrantes ou as pessoas que vieram do litoral foi um dos principais motivos. “Os infetados que estão aqui foram muitos dos emigrantes que vieram para cá”, lamenta. Neste sentido, a jovem relata o medo que as funcionárias sentiam cada vez que viam alguém desconhecido no supermercado.


“Tínhamos medo quando atendíamos alguém que não conhecíamos, nós atendemos muitos espanhóis”, descreve. Acrescentando que quando viam alguém desconhecido só conseguiam pensar “o que é que estas pessoas fazem aqui”, exclamou.


No meio deste caos que o país está a viver, a jovem revela-se feliz por poder viver num sítio calmo. “Aqui podemos sair mais vezes, dar caminhadas, fazer passeios e conviver com a Natureza”, exclama. E dá o exemplo da experiência vivida pela irmã, que mora em Coimbra e não tem a liberdade de quem vive no Interior. “Por exemplo a minha irmã está a [viver em Coimbra] e ela demorou duas horas para ir fazer compras. Ela só sai para ir fazer compras, e no condomínio [onde vive] porque é o mais seguro”, afirma.

Para terminar Jéssica gostaria que as pessoas dessem valor aquilo que produzimos no nosso país, e aos pequenos negócios que muitas vezes estão na nossa rua e são constantemente esquecido por nós. “As pessoas têm de começar a adquirir produtos nos mini mercados, em comércios mais pequeninos, comércio de retalho e produtos portugueses”, finaliza.


Numa altura em que Portugal regressa aos poucos à normalidade, o comércio local e os pequenos locais precisam mais que nunca, do apoio de todos.






50 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page